Via Domus - Review PTGamers
A PTGamers, revista on-line portuguesa sobre videojogos, fez recentemente uma análise do jogo de Lost, Via Domus. Aqui fica a review em vídeo e em texto: "À procura de rumo A série Perdidos (Lost) é um dos fenómenos televisivos mais significantes da última década, ou quem sabe, da história da pequena caixa mágica. O seu conceito de mistério praticamente insolúvel, com os autores a atiraram-nos constantemente novos enigmas e a refutarem as teorias dos fãs, deixa qualquer um entusiasmado com este show. As personagens carismáticas - na sua maior parte - e uma fotografia de luxo faz com que muitos adorem Perdidos. Fará também com que adorem Via Domus, a adaptação a videojogo a cargo da Ubisoft? Com a quarta época em curso e o suspense em alta, o jogo poderá servir como um complemento indispensável ao enredo. Os sete episódios foram escritos pelos produtores executivos da série, e alguns dos actores emprestaram mesmo as vozes às suas personagens. Fidelidade não falta, portanto, era só esperar que o reputado estúdio de Montreal da Ubisoft estivesse à altura do que já nos ofereceu em anteriores ocasiões - preciosidades como Prince of Persia ou Splinter Cell. Para esta adaptação, decidiram fugir ao estratagema de nos colocar a encarnar um dos heróis. Evitaram assim um dilema que podia dividir os fãs - o mais provável era que entrássemos na pele de Jack, ou até de mais algumas personagens. A solução encontrada foi criar um novo elemento, mais um sobrevivente do acidente do Oceanic Flight 815, uma ideia compreensível e que até tem servido de recurso aos próprios argumentistas da série para nos trazer novos mistérios e, sinceramente, “encher chouriço” com fartura. No entanto, acabaram por utilizar outro refúgio muito em voga em filmes e jogos, que é o da personagem com amnésia. Este fotógrafo tem nome, mas só o vai recordar depois de muitas conversas com os habitantes da ilha, e alguma investigação leve. A par disto, teremos os seus flashbacks, outra componente fundamental de Perdidos, ocasiões onde recuperamos partes da nossa memória e compomos a sua história. Antes de mais, que fique esclarecido que Lost: Via Domus é um jogo para fãs. Quem não conheça ou não aprecie a série em toda a sua extensão vai perder qualquer interesse que o jogo tenha para oferecer. Cobrindo de forma ligeira elementos das primeiras duas temporadas - e até da terceira -, Via Domus leva-nos numa viagem paralela pelos olhos desta nova personagem. Não revela pormenores de importância extrema - se o fizesse, poderia estar a mostrar desprezo pelos seguidores que não jogam - mas os mais atentos vão deparar com um aspecto tratado de forma vaga, mas que poderá ter toda a importância no futuro da série. Claro que não o iremos revelar aqui… Estes sete episódios não vão levar mais do que cerca de seis horas até serem terminados, e o título do jogo tanto poderia ser Via Domus como Via Casual, dada a escolha da Ubisoft para a jogabilidade. A utopia de termos uma ilha livre para nossa exploração, interagindo com as estrelas do show nos momentos cruciais, assistindo à passagem do tempo e vivendo verdadeiramente as situações, deu lugar a uma dose de pequenos jogos banais, como seguir o Vincent (o cão), fugir da nuvem negra, ou utilizar fusíveis para distribuir energia… em sete (sete!) ocasiões diferentes. O enorme potencial de Perdidos “perdeu-se” num jogo que nos oferece um óptimo ambiente, mas se esqueceu disso mesmo, de que devia ser um jogo. O nosso herói começa como os outros, acordando na ilha e deparando-se com o caos dos restantes sobreviventes. A partir daqui começa uma busca pela identidade, conversando com algumas das personagens mais marcantes da série. Kate, Jack, Sawyer, Hurley, Locke ou Sayid são apenas alguns deles, e muitos outros ficaram de fora, como Mr. Eko ou Ana Lucia. O casting é interessante, o que falha é mesmo a sua implementação no jogo. Estas personagens estão fixas no seu local - que varia consoante dita o episódio -, não fazendo outra coisa senão esperar pela nossa conversa, muitas vezes em posições repetitivas e estranhas. Os locais que iremos atravessar, e que não serão certamente spoilers para quem acompanha a série, são o famoso refúgio subterrâneo ou o barco encalhado Black Rock, mas os restantes ficam para descoberta dos jogadores. Mas fiquem com a certeza de que até vocês vão ter de lidar com os famosos e amaldiçoados números 4, 8, 15, 16, 23 e 42. Voltando aos elementos da jogabilidade, esta baseia-se muito no puzzle dos fusíveis, que pode ser perfeitamente comparado a Pipe Mania. Colocando um de três tipos de fusível, vamos conduzir energia até aos seus destinos, que tem de ser na quantidade indicada. Uma ou duas vezes seria interessante, mas a Ubisoft abusou deste puzzle, que parece aparecer sempre que é necessário abrir uma porta ou activar um mecanismo. Este é o nosso novo herói. Mais frustrantes são as explorações de cavernas, que tal como o ponto anterior, não podiam acontecer só uma vez! Utilizando o nosso fiel isqueiro - pelo menos até que nos queime os dedos e tenha de ficar algum tempo apagado - vamos descobrindo o caminho linear através de cavernas escuras como breu, que nem sequer se privam de ter uns quantos precipícios fatais. Se andarmos no escuro, rapidamente somos atacados e perdemos o jogo, pelo que a iluminação é fundamental. Podem ainda regatear tochas para andar mais tempo à luz, e ver mais do caminho. Regatear é uma parte do jogo que também parece ter sido menosprezada, apesar de estar presente. Podemos trocar objectos com algumas personagens, desde garrafas de água, cocos ou papaias que apanhamos pela ilha, bens indispensáveis para qualquer náufrago. Se encontrarem uma barra de chocolate ou uma lata de cerveja, estas são ainda mais valiosas no momento da negociação por uma indispensável pistola ou por mais tochas. Como é evidente, Sawyer é um negociador nato, mas outros existem. Desmond? És mesmo tu, brother? Podendo recolher comida e água, isso quererá dizer que Perdidos inclui um elemento de sobrevivência, um pouco como a série Os Sims? Não, nada disso, essa é mais uma das coisas que estava na mente dos jogadores, mas nunca terá passado do esboço. Não existe fome, sede ou o que quer que seja, apenas uma aventura a descobrir, sem quaisquer condicionantes que nos desviem deste rumo. Os jogadores casuais agradecem, os fãs da série menos habituados aos videojogos também, os restantes (a maioria, decerto) abanam a cabeça, desanimados… Vão ver muitos, mas muitos fusíveis... Dialogar é uma das coisas mais recorrentes no jogo, e temos dois campos de questões: as relacionadas com a nossa missão, e outras de curiosidade mais geral. No entanto, as nossas questões raramente recebem mais do que uma ou duas linhas de resposta, quase que numa forma de “despacha”, sem aprofundar o relacionamento entre as personagens. É completamente indiferente se escolhemos esta ou aquela questão, o que interessa é corrê-las todas, desvendando algum índice que nos permita avançar. A jogabilidade é ainda composta por fases onde corremos, e outras onde corremos muito! Passo a explicar. Ao atravessarmos a ilha deparamo-nos com inimigos que nos andam a tentar alvejar, enquanto temos de nos orientar seja através de marcas nas árvores, ou de uma bússola. Outras alturas há em que temos de encontrar o caminho enquanto estamos atentos à proximidade da misteriosa e mortífera nuvem negra - pago um copo a quem me disser já hoje o que é afinal isto! -, tendo de nos proteger no meio de determinadas árvores e esperar que ela se afaste. As outras fases são puramente no espírito de Crash Bandicoot, corridas desenfreadas por um caminho predefinido, sem olhar para trás e sem parar para respirar. Dois tropeções são quase garantia de que a nuvem nos irá alcançar. As únicas acções que temos nesta corrida é saltar e deslizar, o que atesta da simplicidade da coisa. Curiosamente - e provavelmente é um factor mais contra do que a favor deste jogo - estas são as secções que mais interesse me deram, pelo sentimento de urgência e pela sua realização simples mas eficaz. Tivesse o jogo mais desta qualidade, maior profundidade, e estaria no bom caminho. Os flashbacks são partes fundamentais, mas igualmente simples. Com a desculpa do nosso herói ser fotógrafo, estas sequências colocam-nos a reviver momentos em que a câmara fotográfica entra em acção. Primeiro observamos um fragmento da foto rasgada em pedacinhos - como se da nossa memória se tratasse, e que podemos relembrar a qualquer momento - e depois somos colocados num limitadíssimo cenário, com os sujeitos em constante looping. Há que enquadrar a cena tal como no fragmento, e apanhar o exacto timing. Quando somos bem sucedidos vemos a situação a desenrolar-se naturalmente, dando-nos a conhecer um pouco do nosso passado. Podemos ainda examinar alguns elementos que nos rodeiam, brevíssimas pistas que são habitualmente páginas de jornal ou documentos. Preparem-se para momentos de frustração a tentar enquadrar algumas fotos, com intermináveis momentos de espera até que tenhamos tudo na mira. Como fotógrafos que somos, também podemos fotografar certos elementos marcantes, normalmente mencionados pela nossa personagem. O propósito é o de desbloquear extras, sobretudo artworks. Explorando uma gruta. Falta mencionar as fases em que a nossa pistola é a estrela principal. Não esperem grandes tiroteios aqui, aliás, nem sequer a podemos sacar senão quando aparece indicação para tal. Ela vai surgir em raríssimas fases do jogo, para superar um enigma ou matar um inimigo, e pouco mais. A visão passa para cima do nosso ombro, a câmara treme que nem uma louca quando andamos (como é que esta falha passou?), e regra geral, este é mais um dos aspectos que nos deixa a questionar se Via Domus foi mesmo concebido para ter esta forma final. Bom detalhe é que à maneira do show, também o jogo nos apresenta um resumo dos acontecimentos antes de cada episódio, um Previously on Lost. Mau pormenor é que não dá para saltar estas sequências, e torna-se aborrecido quando já as vimos várias vezes. Uma foto em momento de flashback. Os loadings é outra coisa que também gostaríamos de saltar. Demorados e frequentes - quando mudamos de local, por exemplo -, cortam boa parte da imersão colocando-nos a olhar longos segundos para um ecrã com uma imagem e alguns dizeres. Parabéns à Ubisoft por ter conseguido recriar o ambiente da ilha e as suas alterações na escala temporal, embora tenha deixado de parte vários cenários memoráveis da série. A vegetação abundante, com a relva em movimento, e os efeitos de luz muito convincentes colocam-nos dentro da ilha e a imaginação a funcionar. Algumas personagens estão recriadas de forma excelente, e a visão de Kate nos primeiros minutos de jogo deixa-nos maravilhados com a atenção ao detalhe, quase que podemos comparar a quantidade de sardas que este clone virtual tem com a da realidade. Outros nomes estão também em alto nível, como Locke, Sayid ou Juliet, mas a pintura sai borrada com outras estrelas que ficaram claramente aquém do esperado: Desmond é o exemplo mais flagrante, mas até Sawyer está apenas relativamente parecido. O saldo final não deixa de ser muito positivo, e não fossem alguns absurdos… Run Forrest, run! A fabulosa música do menu inicial é típica da série, e dá vontade de ficarmos largos minutos inactivos, apenas a escutá-la. No jogo o nível também é positivo, com efeitos característicos como o som da nuvem negra, ou da flora. Alguns actores emprestaram as suas vozes, nomeadamente para Ben, Mikhail, Sun, Desmond, Claire e Tom, sendo que os restantes contam com substitutos. Se não andarem a confrontar factos, o trabalho destes resulta muito convincente. Convincente é o que Via Domus não é. Ambíguo seria uma designação mais apropriada para este trabalho. A realização competente não consegue ocultar o facto de que parece ter existido vontade de fazer mais, só que muitas das ideias ficaram por explorar, aparecendo na versão final apenas um rascunho. A jogabilidade casual e as poucas horas de jogo deixam ainda um amargo na boca, que não é compensado pelo prazer de participar na nossa série preferida. Como fã de Perdidos, gostei de entrar na ilha e interagir com os sobreviventes do voo Oceanic 815 em cenários que tão bem conheço; como jogador de videojogos, sinto que foi uma oportunidade desperdiçada, com o potencial da série Perdidos apenas arranhado muito ao de leve. Classificação (0-20): Gráficos: 15 Jogabilidade: 9 Som: 15 Originalidade: 9 Nota final: 11" Artigo original em PTGamers Etiquetas: Jogo |