Viagens no tempo e paradoxos
Neste post vamos analisar as viagens no tempo em Lost, nomeadamente o que vimos em "The Constant" e em "Flashes Before Your Eyes". Pedimos desculpa pelo atraso na publicação deste post, que era deveras necessário após um episódio tão informativo, mas estivemos a investigar aprofundadamente estes assuntos para melhor podermos explanar as ideias ;) Depois de lerem, partilhem connosco as vossas teorias! Antes de mais, será bom começar por explicar como funcionam as viagens temporais em Lost, tendo por base o que vimos nos episódios acima referidos. Apesar desta questão ter sido mais ou menos explicada pelos produtores no último podcast, a verdade é que ainda existem muitas pessoas confusas. Em Lost, apenas a consciência viaja no tempo, portanto, não existem viagens físicas como é comum neste tipo de histórias (bons exemplos são Heroes, "Back to the Future", entre outros). Durante a travessia de um período temporal para outro, uma das consciências fica desabilitada. Tendo como exemplo o último episódio, há duas consciências de Desmond em jogo: a de 1996 e a de 2004. Neste caso, a consciência de 1996 viaja até ao corpo de 2004 e a consciência de 2004 (que está no barco) deixa de funcionar (talvez fique perdida no tempo, sobreposta pela outra ou simplesmente desabilitada). Quando a consciência de 1996 regressa ao corpo respectivo, o corpo de 2004 fica num estado catatónico. De igual modo, quando a consciência de 1996 salta para o corpo de 2004, o corpo de 1996 fica num estado catatónico. Podemos perguntar se isto é apenas ficção científica ou se existe alguma possibilidade de acontecer na realidade. Segundo um artigo da popularmechanics.com, intitulado Are Lost's New Time-Travel Physics Junk Science? Maybe Not, Expert Says: Hollywood Sci-Fi vs. Reality, viagens no tempo como as de Lost são possíveis em teoria e não contrariam as actuais leis da física. O físico Dr. Michio Kaku, entrevistado no âmbito do artigo, vai publicar em breve o livro "Physics of the Impossible" que explica este tipo de viagens no tempo. A ideia é a de que existem buracos de vermes (wormholes) que constituem "atalhos" no tempo e podem ser atravessados. De acordo com Kaku, "seria necessária uma enorme quantidade de energia para abrir os wormholes", tal como aquela que foi libertada durante a implosão da escotilha e atingiu Desmond. Esclarecido este ponto, a questão que podemos colocar em seguida é: quantas linhas temporais existem em Lost? A introdução de múltiplas linhas temporais numa história é, normalmente, a forma de evitar os sobejamente conhecidos paradoxos das viagens no tempo. Um paradoxo é um conjunto de circunstâncias em que o "efeito" cancela a "causa", tornando o ciclo de eventos impossível. Talvez o exemplo mais famoso seja o "paradoxo do avô", em que voltamos atrás no tempo, matamos o nosso avô antes que ele tenha filhos, e negamos assim a nossa própria existência. Outro exemplo muito conhecido vem de "Back to the Future" ("Regresso ao futuro"): Marty, a personagem principal, vai ao passado e interfere com a reunião dos seus pais, impedindo-os de ficarem juntos e impedindo o seu próprio nascimento. Outro exemplo famoso é o de um episódio de "The Twilight Zone" ("A Quinta Dimensão"), em que a personagem principal vai ao passado para tentar descobrir as causas de um misterioso incêndio. Ao investigar o local, deixa cair um candeeiro e o tal incêndio ocorre. Mas, se a personagem não tinha ainda viajado para o passado, como poderia ter causado o incêndio? E, se a viagem para o passado já se tinha dado, então a personagem já saberia que causou o incêndio e não o faria novamente. Paradoxos. Voltando às múltiplas linhas temporais, um exemplo de utilização é a introdução da personagem Trunks na história de Dragon Ball Z. Trunks viaja do futuro para o passado para tentar evitar que dois andróides destruam grande parte da civilização. Com a ajuda de Son Goku e os seus companheiros, Trunks consegue evitar essa catástrofe. No entanto, quando regressa ao "seu presente", tudo está na mesma, a civilização continua destruída. A explicação é simples: quando Trunks alterou o passado, criou uma linha temporal alternativa com essa versão dos acontecimentos. A outra linha temporal, de onde Trunks é originário, permanece inalterada. Deste modo, os paradoxos nunca ocorrem. Segundo o último podcast, em Lost existe apenas uma linha temporal. Os produtores não querem de forma nenhuma que os fãs pensem que os flash-forwards são um futuro possível e não O futuro. Damon Lindelof e Carlton Cuse dizem ainda que em Lost não existem paradoxos: se algo é alterado no passado, o universo encontra uma forma de "corrigir o curso" ("course correction") e o futuro será o mesmo (o conceito de "course correction" foi introduzido pelo físico David Lewis na década de 70 como forma de evitar parodoxos. Curiosamente, na série, David Lewis é o nome do pai de Charlotte). É por este motivo que não importava quantas vezes Desmond tentasse salvar Charlie: mais cedo ou mais tarde, o ex-membro dos Driveshaft acabaria morto, porque era essa "a intenção" do Universo. Mas será mesmo possível evitar os paradoxos quando se tem apenas uma linha temporal? Vejamos o caso do rato Eloise, a cobaia das experiências de Faraday. Eloise recebe uma dose considerável de energia electromagnética e a sua consciência é enviada para o futuro. Chamemos "A" a essa consciência. A consciência "B", a do futuro", fica desabilitada. Durante este período, no futuro, Faraday ensina Eloise a percorrer o labirinto. Alguns minutos depois, a consciência A regressa ao corpo do presente e Eloise sabe percorrer o labirinto. Qual o problema? Bom, agora que a consciência A de Eloise sabe como percorrer o labirinto, Faraday não lho pode ensinar novamente. E, se Faraday não lhe ensina a percorrer o labirinto, como é que Eloise o aprende? É aqui que reside um aparente paradoxo, pois a aprendizagem do labirinto fica sem ponto de origem. De forma análoga, podemos analisar a situação de Desmond e Daniel. Faraday só escreve no seu diário que Desmond é a sua constante porque eles se encontraram no passado e esse encontro no passado só aconteceu porque Faraday do presente disse a Desmond para se encontrar com ele no passado. Mas, mesmo sem pensar no diário, existe outro paradoxo: os valores correctos para a realização da experiência são dados por Faraday do presente a Desmond do passado. Portanto, Faraday do passado conhece esses números porque... Faraday do presente deu os números a si mesmo. Podemos argumentar que, em algum ponto do "passado original", Faraday descobriu os valores correctos para a máquina sem a ajuda de Desmond. O problema é que, a partir do momento em que é Desmond que lhos dá no passado, a descoberta dos valores fica sem ponto de origem. Sempre que informação do futuro influencia o passado cria-se uma dependência circular denominada paradoxo da predestinação. Como refere a página da wikipedia, "[o paradoxo] existe quando o viajante no tempo é apanhado num ciclo de eventos que o predestinam a viajar no tempo. Devido à possibilidade de influenciar o passado quando se viaja no tempo, uma forma de explicar porque razão a história não muda é dizer que o que aconteceu era suposto acontecer. O viajante no tempo tentando alterar o passado neste modelo, intencionalmente ou não, estaria apenas a cumprir o seu papel na recreação da história como nós a conhecemos, isto é, nunca iria alterar o passado". Supondo que os produtores pretendem seguir a ideia do que tudo aconteceu ou acontece é o que é suposto acontecer, então o encontro entre Desmond e Faraday sempre aconteceu. Sendo assim, porque nenhum deles se lembra desse acontecimento? Faraday parece ter problemas de memória, como indica a cena com o jogo de cartas no episódio anterior ("Eggtown"), mas como explicar o esquecimento de Desmond? Como explicar que Desmond de 1996, tendo estado no barco e conhecido Sayid, não se lembre destes acontecimentos em episódios anteriores? Uma possível explicação, ainda que rebuscada, é que, depois Desmond encontrar a sua constante, depois de as consciências de 2004 e 1996 ficarem nos momentos temporais correctos, a consciência de 1996 voltou a ter as memórias que tinha antes de iniciar as viagens no tempo, isto é, esqueceu tudo o que viveu durante os saltos temporais. É obviamente rebuscado, mas talvez seja assim que o universo faz o seu "course correction". Mas talvez as situações que apresentámos não se tratem de paradoxos. O astrofísico e cosmologista Igor Novikov propôs na década de 80 o chamado "princípio de auto-consistência de Novikov". Este princípio diz que se podem formar ciclos causais como o que referimos, desde que esses ciclos sejam consistentes. Esses ciclos são percepcionados como paradoxos apenas porque vão contra as nossas expectativas e convenções sobre causalidade. Portanto, não há problema se não existe ponto de origem para a aprendizagem do percurso do labirinto ou para a descoberta dos valores correctos para a máquina do tempo, desde que tudo fique consistente. Créditos a Fish Biscuit pela imagem. Outra possível explicação que elimina os paradoxos é o conceito de curvas temporais fechadas (Closed Timelike Curve - CTC). Na teoria CTC, o tempo não é visto de forma linear, isto é, não temos necessariamente de ter o futuro depois do passado e depois do presente. Causa e efeito surgem dissociados, ou seja, por incrível que pareça, a causa não tem de preceder o efeito. Aliás, o efeito de um evento pode ser a sua própria causa. Neste caso, passado, presente e futuro existem todos em simultâneo. No fundo, essa ideia é um pouco aquela que é transmitida durante os saltos temporais de Desmond. Tanto o momento temporal de 1996 como o momento temporal de 2004 parecem estar a desenrolar-se em simultâneo. Para mais informações sobre a teoria CTC, aconselhamos a consulta do link http://www.portaldoastronomo.org/tema64.php, onde se explica porque razão, à luz da Relatividade Geral de Einstein, se tornam possíveis viagens no tempo em curvas temporais fechadas, nomeadamente tendo em conta o princípio da auto-consciência. Para finalizar, voltemos à série e teorizemos um pouco. Se recordarmos o filme de Orientação da Estação Orquídea, lançado durante o verão, ficamos com a ideia de que a Dharma estava a realizar experiências com viagens temporais... Mas, segundo a filosofia das viagens temporais de Lost, como podem aparecer dois coelhos iguais no mesmo instante? Etiquetas: Curiosidades |